22/10/07

Não posto há 21 dias. Não é só preguiça.
Motivos há imensos.
Sobra-me o espanto.
Histórias. O tecto do meu quarto está lotado.
De repente, Viseu, Lisboa, Luanda.

O mundo ficou sem fronteiras. Para uma galaico-duriense,
agarrada à meseta de afectos.
E não pensem que não sei o que são terramotos. E sismos.
Sei bem. Não sei, se sei de sobra. Mas sei bem.
E sei o que é pegar na régua e no esquadro. Outra vez.
São 200 anos. É muita vida. E às vezes sinto-me cansada.
Eu de suplemento na mão, a desfolhá-lo,

em vez de o pôr no lixo, como sempre.
Espaços & casas ou vice-versa. Ou nada disto.
Casas em Lisboa em páginas de jornal.
Eu de marcador a fazer círculos à volta dos anúncios.
Eu a fazer e a não estar a acreditar no que fazia.
Eu a perceber que às vezes não acreditamos no que fazemos mas fazemos.
E fica feito. Eu a fazer analogias, a desviar-me do cerne da questão.
E os anúncios, tantos. E a faltarem-me as ruas, as zonas. Sei lá onde fica isto.
Eu, entre a luz e o granito. E o granito como retrato e a luz como estímulo.
Eu a telefonar. A perguntar por preços, voz segura. Coração trémulo.
Mas a perguntar. Como se nunca tivesse dito não a Lisboa. Convicta.
Eu a pesquisar na net. À procura de Luanda. No Belas Shopping.
Eu tentada. Já no avião. Nas nuvens.
Com vontade de regressar e ainda não tinha saído do sofá.
Eu a fazer contas e a apagar o sorriso dos meus sobrinhos do quadriculado do caderno. A sentir os xis-corações.

Os seus braços a crescerem à volta do meu pescoço.
Deixa-te de ser lamechas. Vá. Deixa-te de tretas.
Vai ser muito bom. E mesmo que não fosse.
Não podes ficar aí de braços cruzados, a ruminar.
Logo agora que eu começava a gostar de certas rotinas e a gostar de quem gosta de certas rotinas.
Logo agora que a Sra. Zulmira sabia os dias em que eu podia beber o café com a nata. Boa hidro, menina. E abria o sorriso. Deixe as calorias na água.
Logo agora que eu sabia que saindo de casa às 8.25 em ponto, não tinha de correr a passar o túnel, para ouvir os Sinais. Logo agora que...
Não vale a pena ruminar. Mas há imagens que insistem.

Acontecem em minutos e repetem-se uma vida.
O pisa-papéis, pesado, precioso, na cabeça do Sr. Manuel.

O pisa-papéis inteiro na cabeça do pisa-mansinho
que queria ir a Nova York mas não sabia falar inglês.
Como foste capaz?
A mercadoria do contentor por conferir. A recusa da assinatura.
Ò dra. não assina? Isso vai dar problemas. E deu.
A gajita de 26 anos a chamar-te demasiado educada. Como se fosse um insulto.
A dizer-te que era preciso ter tomates. Como se fosse um requisito.
E tu, polida, a dizer que tomates, tomates, tem quem recusa uma pipa de massa à porta de casa. Que - perdão - tomates, tomates, tem o Sr. Manuel, que levou com o pisa-papeis do Dubai nas trombas e nem chiou. Cambaleou. A sangrar. Pingas de sangue no mármore. Atrás de si. E depois, no Jaguar.
Surreal. Não havia muito mais por onde escolher.

A choradeira dentro do Focus. Estrada fora.

Não imagino como vai ser.
Não imagino. E até imaginava.
Mais uma história banal.
A tentação, à flor dos lábios.
Voz alta, dentro do carro.
Porquê a mim?
Poupa-me. Por favor.
A ti, porque sim, porque se não fosse a ti, era a outra qualquer.

E depois, de repente, já perto de Lisboa ou Luanda, aconteceu.
O coração, feito casa de muito movimento.
Alfândega de novas mercadorias.
Voltado para o Douro, feito cais de afectos.
O granito como retrato, a luz como estímulo.
Como se houvesse milagre.



10 comentários:

K disse...

Em Lisboa ou Luanda, os teus 200 anos valem muito…Mas que o teu Porto seja sempre de Abrigo.

Deixa as gajitas e o Maneis desta vida espatifarem-se sozinhos…que não precisas deles para nada!


Beijos

Anónimo disse...

lindo este texto!
Lafões é o meu cais de afectos.

Anónimo disse...

o detalhe do pisa-papéis é delicioso :) filmico

Dalaila disse...

O Milagre és tu!

Que escreves sem pisar os papéis, que te dás e partilhas afectos, e que tens tudo minha linda, quer nos teus 200 anos, no Douro, em Lisboa ou Luanda, ou aonde o vento te levar.

Descrito assim.... fiquei sem letras.

Adoro-te um beijo

nuno disse...

De Lisboa sei o que a passagem ensina...

Mas é na baía de Luanda que sonho... um dia... aprender a nadar...

Bjos

Claudia Sousa Dias disse...

Minha querida: há quanto tempo eu não lia nada com tanto prazer!

Melhor só o Bellester!

Beijo,beijo, beijo grande!

Unknown disse...

Descobri hoje o teu espaço, depois de uma visita simpatica tua a um dos meus cantinhos. Gosto de te ler. Vou voltar.

Anónimo disse...

Porra!
Conta mais, mais coisas assim.
Grandioso.

nandokas disse...

Olá Maria Viene,
Vim até este teu blogue por acaso.
Gosto deste texto. Parabéns!
Boa noite.

Dirim disse...

Adorei este texto!